MONÓLOGO COM O MAR
MONÓLOGO COM O MAR
(Goulart Gomes)
- Menção Honrosa no I Concurso de Poesias da UFMS e
publicado na antologia do respectivo concurso.
lembro-me bem, sim...
falava-se de uma mulher que degustara
a grande potência de um presidente
que havia falo demais
(alguns muçulmanos
tiveram que morrer
enquanto ela depunha, punha, depunha, punha
o céu na boca)
a poesia, então
já deixara
de ser importante
para mim
foi quando todos os lugares
mudaram de nome
para o nome de um homem
que morrera de coração partido
e eu me abstinha
de álcool, de carne, de paixões
à exceção de alguns senões
passageiras de avião
às pessoas, sim; ao seu mundo, não
ela, então
já deixara de ser importante
para mim
Haveria flores no jardim?
soprava-me um guru, e eu aprendi
a contemplação, a meditação
a respiração, a dizer não
e calcular os juros da aplicação
nenhum sonho até dois mil
ainda lembro, ainda
do frio na coluna ereta
da mente inquieta
do peito vazio
eu, então,
deixara de ser importante
para mim
fatiavam as nações
e as nacionalidades
alugavam-se cidades
e leiloavam-se dignidades
mas, então, as ideologias
já haviam deixado de ser
importantes
para mim
mas não a lágrima
que molha, aquece e salga
irrompe, lava os olhos
e a alma, faz-nos gente
mas não o riso, doce placebo
de todas as dores
Mas não os livros, fiéis amigos
por mais dura a capa
lembro-me, sim, que
a lembrança deixara
de ser importante para mim
e que não havia guerras, fome
nem qualquer outra coisa
secundária
durante um torneio
mundial de futebol
a novela das oito
já não era importante para mim
havia mais medo do bug do Milênio
que das profecias de São João
o Islã rugia, as ações caíam
e as economias despencavam
mas o dinheiro
já não era importante, para mim
ainda me lembro
que seu rosto era azul
suas pegadas morenas
seu colo gasoso
falavam-me dos bilhões de planetas
dos milhões de sóis
e de um só Deus
vasto e uno, como o mar
mas o céu já não era importante para mim
porque escorria
a vida do corpo
dela e meu
entre bombas químicas
e desesperados
apelos universais
mas mesmo as estrelas
já não eram importantes para mim
(nada dessas coisas grandes:
Ecologia, Direitos Humanos,
Camada de Ozônio, Poesia, Armagedon
me diziam)
Porque tudo muda
porque tudo morre
e sonhar perdera a importância
para mim
Goulart Gomes
Enviado por Goulart Gomes em 26/11/2006