Sobre O REACIONÁRIO, de Nelson Rodrigues
Nelson Rodrigues é a minha flor de obsessão. Até esta expressão é dele. Odiado por muitos e admirado por poucos, foi vítima do seu tempo e de duas ideias. Ferrenho anti-comunista, em plena Ditadura Militar tecia loas a personagens como Emílio Garrastazu Médici, João Paulo Reis Velloso e Mario Andreazza e atacava com veemência os "padres de passeata", como Dom Hélder. Se estivesse vivo, hoje, seria "expurgado" por aqueles que estão no poder.
À margem das suas convicções ideologicas, sem dúvida alguma um dos maiores nomes da nossa literatura, hoje considerado o "Pai do Moderno Teatro Brasileiro". Nunca me cansarei de ler Nelson Rodrigues. Seja como dramaturgo, cronista esportivo ou social, contista e, em menor grau, romancista, um autor que, para mim, está ao lado de Machado de Assis e Guimarães Rosa como os nossos gênios literários.
Acabo de ler as 130 crônicas do livro O REACIONÁRIO, MEMÓRIAS E CONFISSÕES (Ed. Agir) e, como de hábito, transcrevo aqui os trechos mais bombásticos:
"Sempre digo que a morte é anterior a si mesma... Há uma bondade de quem vai morrer, há uma lucidez de quem vai morrer..."
"Ele [Jouvet] escrevia em francês e qualquer bobagem em francês soa como uma dessas verdades inapeláveis e eternas. Repito que a prosa francesa pensa pelo autor e pelo leitor e convence os dois."
"Os admiradores comprometem ao infinito, e repito: - os admiradores corrompem."
"...o teatro para rir, com esta destinação específica, é tão absurdo e, mais, tão obsceno como seria uma missa cômica."
"Não insinuarei nenhuma novidade se disser que o nosso cotidiano é uma sucessão de poses. O ser humano faz pose ao acordar, ao escovar os dentes, ao tomar café. E nunca se sabe se o nosso ódio, ou nosso amor ou nosso altruísmo é ou não representado. Ninguém gesticula tanto quanto o homem e repito: - ninguém gosta tanto de fazer quadros plásticos."
"Do alto da escada, o diretor o chama: - "Alcindo, Alcindo". O outro, já em baixo, vira-se. E diz o dono do jornal: - "Escreve um artigo sobre Cristo". Alcindo [Guanabara] pergunta: - "Contra ou favor?"
"E vamos e venhamos: - o telegrama, até que se prove a sua intranscendência, é uma janela aberta para o infinito."
"Duas ou três vezes por semana, digo eu o seguinte: - Nada mais invisível do que o óbvio ululante."
"A pior forma de solidão é a companhia de um paulista."
"Preliminarmente, devo confessar o meu horror aos intelectuais, ou melhor dizendo, a quase todos os intelectuais... Tenho observado, ao longo de minha vida, que o intelectual está sempre a um milímetro do cinismo."
"O milionário, dono de fábricas, tem uns três ou quatro palácios; sua amante gasta como uma esposa. Não pode desejar mais nada, porque teve tudo e conhece o tédio dos prazeres possuídos."
"O escrete nos representa, o escrete é a pátria em calções e chuteiras, a dar botinadas em todas as direções."
"Não sei se repararam (e a gente não repara nas evidências mais ululantes). Mas ninguém ouve ninguém. Imaginemos a conversa de dois amigos. O que um diz entra por um ouvido e sai por outro. Dirão que exagero. Nem tanto, nem tanto. O que nós chamamos diálogo é, na maioria dos casos, um monólogo, cuja resposta é outro monólogo."
"Eu existo porque tenho uma rua, um bairro, uma cidade, vizinhos, amigos, parentes. Se de repente me privo de tudo isso, eis o que acontece: - deixo de ser eu mesmo, perco a minha identidade, não existo."
"Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas."
Algumas das crônicas mereceriam ser transcritas, tamanha as suas intensidades: A menina, Mário Filho (sobre a morte de seu irmão), Colégio religioso, O sono dos círios, É a única solidão do Brasil, Marido de esposa "simpática" e Meu pai são espetaculares.
Goulart Gomes
Enviado por Goulart Gomes em 15/03/2009
Alterado em 15/03/2009