Haroldo de Campos celebrizou-se como poeta por ser o maior expoente da Poesia Concreta. Mas, descubro em Xadrez de Estrelas uma face menos conhecida do poeta, de beleza incomum. Como exemplo, transcrevo o poema O FAQUIR:
O FAQUIR
I
Tenho a flauta nos beiços,
e sozinho modulo.
Onde quer que coloquem o eixo do mundo,
tenho a flauta, e modulo.
Há mulheres que vêm como najas dançantes
e desnalgam luares sobre mim, que modulo.
Há crianças que ordenham meu sopro,
e o merendam.
II
Minha flauta caiu
sobre o mar, e foi istmo
entre os dois hemisférios.
Minha flauta, joguei-a
no céu, e foi lança
contra os flancos da Andrômeda.
III
Ah! que estranho poder
entre os beiços que modulo!
Se o empregara no bem,
nutriria meu povo entre os linhos floridos.
Sobre os lagos de leite o nenúfar descera,
e as ovelhas balindo mostrariam ao rebanho os cordeiros recentes.
Mas usei-o no mal.
E a mulher e a serpente afinal conciliadas
suscitaram do lodo uma fêmea de jade,
que eu chamara Kali, em cujos dedos hábeis
desgrenhei o meu corpo, qual um vento de paina.
(Haroldo de Campos, in Xadrez de Estrelas)