E SE EU DISSER
Ivan Junqueira
E se eu disser que te amo - assim, de cara,
sem mais delongas ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tua coxa, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.
Haroldo de Campos celebrizou-se como poeta por ser o maior expoente da Poesia Concreta. Mas, descubro em Xadrez de Estrelas uma face menos conhecida do poeta, de beleza incomum. Como exemplo, transcrevo o poema O FAQUIR:
O FAQUIR
I
Tenho a flauta nos beiços,
e sozinho modulo.
Onde quer que coloquem o eixo do mundo,
tenho a flauta, e modulo.
Há mulheres que vêm como najas dançantes
e desnalgam luares sobre mim, que modulo.
Há crianças que ordenham meu sopro,
e o merendam.
II
Minha flauta caiu
sobre o mar, e foi istmo
entre os dois hemisférios.
Minha flauta, joguei-a
no céu, e foi lança
contra os flancos da Andrômeda.
III
Ah! que estranho poder
entre os beiços que modulo!
Se o empregara no bem,
nutriria meu povo entre os linhos floridos.
Sobre os lagos de leite o nenúfar descera,
e as ovelhas balindo mostrariam ao rebanho os cordeiros recentes.
Mas usei-o no mal.
E a mulher e a serpente afinal conciliadas
suscitaram do lodo uma fêmea de jade,
que eu chamara Kali, em cujos dedos hábeis
desgrenhei o meu corpo, qual um vento de paina.
(Haroldo de Campos, in Xadrez de Estrelas)
Desejos
Belos corpos mortos que nunca envelheceram,
com lágrimas sepultos em mausoléus brilhantes,
jasmim nos pés, cabeça circundada de rosas -
assim são os desejos que um dia feneceram
sem chegar a cumprir-se, sem conhecerem antes
o prazer de uma noite ou a manhã luminosa
Konstatinos Kaváfis