03/09/2007 22h05
NELSON RODRIGUES: O óbvio ululante
Nelson Rodrigues é minha "flor de obsessão". A expressão é do próprio Nelson, quando se referia aos personagens ou temas recorrentes em suas crônicas: a vizinha gorda machadiana, o Palhares, D. Hélder, José Lino Grunewald, Antonio Callado, Otto Lara Resende, Ferreira Gullar e tantos outros.
Redescobri o grande escritor este ano. Antes, só havia lido dele BEIJO NO ASFALTO. Nos últimos meses devorei cinco dos seus livros: A Vida Como Ela É, Elas Gostam de Apanhar, O Casamento, Bonitinha mas ordinária e, agora, O Óbvio Ululante. Nelson, ao lado de Guimarães Rosa, tornaram-se minhas duas grandes "flores de obsessão".
É impressionante como suas crônicas sobre o Brasil do final da década de 60 são tão atuais... poderiam ter sido escritas ontem! Selecionei e transcrevo, abaixo, os trechos preferidos dessa obra imperdível: O Óbvio Ululante:
"Ah, eu teria de explicar que há, em qualquer infância, uma antologia de mortos; e, para o menino que fui, Pinheiro Machado é um desses mortos fundamentais. (4/12/67)
O ônibus apinhado é o túmulo do pudor. (7/12/67)
Guimarães Rosa era o único gênio de nossa literatura. (7/12/67)
O grande homem é o menos amado dos seres. O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. (9/12/67)
A pior forma de solidão é a companhia de um paulista. (14/12/67)
Pelé... é o menos preto dos brasileiros... Ninguém mais branco do que Pelé e cada vez mais branco. (19/12/67)
Sempre que escrevo que todo amor é eterno; e, se acaba, não era amor... O amor não deixa sobreviventes. (23/12/67)
Tudo é falta de amor. O câncer no seio ou qualquer outra forma de câncer. É falta de amor... E sempre há os que apodrecem em vida porque separaram o sexo e o amor. A toda hora esbarramos com sujeitos que praticam a variedade sexual. Esse vão morrer na mais fria, lívida, espantosa solidão (2/1/68)
Comecei a entender, aos sete ano, uma verdade que havia de me perseguir a vida inteira: o sexo só faz canalhas (nunca houve um santo do sexo. (3/1/68)
O médium é o ouvinte do que morreu. (3/1/68)
Era tão absurdamente frágilque não estou longe de achar que o forte é um canalha. (5/1/68)
Enquanto a esquerda que aí está não for substituída até seu último idiota, não vai acontecer nada, rigorosamente nada. (9/1/68)
Fui varado por um sentimento de culpa que ainda hoje, quase meio século depois, me persegue. De vez em quando eu começo a me sentir um pulha. Sofro como um réu. Sou réu, mas de que, meu Deus? E, de repente, há um clarão interior e vejo tudo. É a bofetada que ainda está em mim, é culpa que não passa. Eis o que aprendi no episódio infantil: - é melhor ser esbofeteado do que esbofetear. Tudo é falta de amor. O câncer no seio ou qualquer outra forma de câncer. É falta de amor... E sempre há os que apodrecem em vida porque separaram o sexo e o amor. A toda hora esbarramos com sujeitos que praticam a variedade sexual. Esse vão morrer na mais fria, lívida, espantosa solidão (2/1/68)
Aos sessenta anos ninguém peca. Tudo é falta de amor. O câncer no seio ou qualquer outra forma de câncer. É falta de amor... E sempre há os que apodrecem em vida porque separaram o sexo e o amor. A toda hora esbarramos com sujeitos que praticam a variedade sexual. Esse vão morrer na mais fria, lívida, espantosa solidão (2/1/68)
Comecei a entender, aos sete ano, uma verdade que havia de me perseguir a vida inteira: o sexo só faz canalhas (nunca houve um santo do sexo. (3/1/68)
Ah, no antigo Brasil, era uma humilhação ser jovem... Há uma vergonha da velhice. (11/1/68)
Mas o que é a nossa vida se não a soma de protestos inúteis?... O europeu é, sob esse aspecto, o menso problemático dos seres. Na China, ou na Conchinchina, ele continuará o mesmíssimo europeu. Ao passo que, fora do Brasil, o brasileiro deixa de ser brasileiro. (29/3/68)
A fome ainda não assalta. O assaltante não quer comer. Mata e fere para ter o supérfluo. Dirá alguém que estou falsificando a verdade. Mas insisto em que só a fome literária do Zola arromba padarias e pendura o padeiro num pedaço de pau. (1/4/68)
Callado, vou contar-te uma que eu só diria ao médium, depois de morto (12/3/68)
Eu gostaria de notar: - como são duas ausências parecidas, a do amor e a da morte. A mulher que sai para amar, que foge para amar, e que esconde o seu amor, é a maior das ausentes. (1/3/68)
As coisas não ditas apodrecem em nós. (16/4/68)
O brasileiro é um Narciso às avessas que cospe na própria imagem. (18/4/68)
Tenho dito que a nossa época está ferida pela solidão. Não vejo outro tema mais urgente e fascinante. Somos todos solitários. Odiamos, matamos e morremos por solidão. (19/4/68)
Por isso mesmo, Guimarães Rosa teve um gesto perfeito. Foi o menos político dos nossos autores e, repito, foi o mais autor de nossos autores. Era só autor, era só escritor, era só estilista. Nunca o vimos carregando faixas e pichando muros com vivas a Cuba... Guimarães Rosa foi apenas o santo da frase. A frase estava acima de tudo. E porque não existiu politicamente, pôde levantar o seu monumento estilístico. (23/4/68)
Se querem saber, não sei francês. Não sei nenhuma outra língua, além da minha. As coisas só existem na minha própria língua (22/4/68)
Há um luxo que é uma degradação para quem mora e para quem visita... Nós vivemos uma época cínica. Ninguém se espanta. E, no entanto, o espanto é um dom, uma graça. Como se pode ter vida moral sem mutíssimos espantos? (26/1/68)
O poeta tem ser profético ou não é poeta. (27/1/68)
Eis o que me dói ainda hoje: - nós olhamos pouco para os seres amados (14/2/68)
Coincide que nós vivemos uma época crudelíssima. Para preservar a sua humanidade, o sujeito tem de lutar, ferozmente, contra tudo e contra todos. E das duas uma: - ou cada um constrói a sua solidão ou os outros o matam. (Alguém disse que os "outros" são os nossos assassinos). Vêm de toda parte as pressões que nos desumanizam. Há a manchete, o rádio, a televisão, o anúncio e, em suma, toda uma gigantesca estrutura que exige a nossa falsificação. (11/4/68)
Publicado por Goulart Gomes
em 03/09/2007 às 22h05